Mentoria - Vocação e Humanidade

Prezado Diego,

Preocupo-me com o calibre de sua vocação. Acho curioso que diminuam referenciais de genuína humanidade entre os evangélicos. Sinto falta de mulheres e homens de uma têmpera diferente e me pergunto se esse não deveria ser o nosso alvo. Não fomos chamados para fazer sucesso, para sermos respeitados pelos discursos, mas pela qualidade de nossa vida. Tenho dificuldade de achar líderes religiosos cuja vida eu reverencie. Sabe? Aquelas pessoas que, ao entrarem numa sala, a gente tem a reação de ficar em pé? Para onde caminha sua vocação?

Os líderes evangélicos perderam muita credibilidade ultimamente. Passaram a ser vistos como espertalhões e, alguns, até como charlatões. Os pastores ganharam o jeitão de executivos da fé e perderam a aura de sacerdotes de Deus. Basta perceber as citações de quem escreve sobre espiritualidade. Nos tratados sobre solidariedade e justiça muito dificilmente se acham menções de personalidades evangélicas. A maciça maioria dos autores, quando precisa de exemplos de grandeza humana procura entre católicos ou entre quem se envolve com a sorte humana por motivos seculares – “Médicos sem Fronteira”, por exemplo.

O movimento evangélico, herdeiro do fundamentalismo norte-americano, vem fechando as portas para certas dimensões da fé. Em nome da inerrância textual, ou da exatidão teológica, sacrificaram-se, em diversas igrejas, os afetos e a empatia com o sofrimento humano.

O reconhecimento de que a dignidade humana reside na Imago Dei foi relegada a um segundo plano. Culpo essa tendência por constatar que, lamentavelmente, muitos pastores precisam de ambientes de culpa para exaltar a necessidade da salvação. Como resultado, aconteceu uma radicalização da teologia da queda – os pecadores são tratados sempre como filhos da ira de Deus. E os conceitos forenses da salvação passaram a sombrear outras dimensões relacionais da graça de Deus. Assim, poucos se interessam em crescer em bondade, parece mais eficaz fazer proselitismo. O resultado é triste: sobram apologetas, mas faltam santos; treinam-se tribunos, mas não se forjam servos.

Quais os processos que produziram esta situação? Com certeza, uma obsessiva atenção em proteger a “reta doutrina” – que se acredita a mais correta, porque veio por “revelação”. Assim, a mensagem proclamada em diversos arraiais evangélicos se contenta em repetir uma “teologia pronta” – importada dos Estados Unidos - que mapeia com exatidão cartesiana os atributos divinos; fornece bitola para o agir do Espírito Santo; e define com “precisão” quem vai para o céu.

Essa doutrina contém uma lógica bem fundamentada; é lúcida, mas se mantém distante do drama humano. Vários pastores se assemelham ao médico que escreveu bons tratados sobre lepra, mas nunca se dispôs a passar um só dia numa colônia e nunca conheceu o drama dos que sofriam da terrível praga tão conhecida por ele.

Por que a Madre Teresa de Calcutá comoveu o mundo? Até os ateus mais herméticos não se preocupavam com seus conteúdos teológicos, apenas elogiavam sua vida. Madre Teresa ganhou o Prêmio Nobel da Paz e a comunidade internacional a reverenciou como um dos ícones do século XX porque ela encarnou o que acreditava.

Preocupo-me que poucos pastores evangélicos se inquietam com a realidade de que um Pablo Neruda, uma Adélia Prado ou até um ateu como André Comte-Sponville sejam mais respeitados no que escrevem do que os autores cristãos.

Você não se pergunta, amigo Diego, por que a maioria dos pastores se interessa por métodos e técnicas de gerenciamento eclesiástico e não liga para poesia? Medite: Não deve ser esta uma das razões porque existem tão poucos referenciais de humanidade entre os líderes evangélicos?

Se os espaços religiosos atuais sofrem de aridez, nos tempos do Novo Testamento o quadro não foi diferente. Jesus contou a parábola do Samaritano para mostrar que a grandeza humana não se restringe aos religiosos. Um estranho, delinqüente social, o samaritano, foi tratado como o herói da sua história porque soube mostrar-se cuidadoso com um moribundo. Já os sacerdotes, aliados a outros profissionais do culto acumularam-se com obrigações; e sequiosos por defenderem o status quo, passaram ao largo do pobre. Eles foram os verdadeiros marginais. Jesus também advertiu que era possível especializar-se em superficialidades e esquecer a justiça, misericórdia e fidelidade (Mateus 23.23).

Eis algumas questões para estimular a nossa correspondência.

Abraços,

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim.

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